A Síndrome do Minuto 30

A Síndrome do Minuto 30

Uma crônica sobre o costume de substituir jogadores sempre a 15 minutos do fim da partida

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Com pontualidade religiosa, torcedores e técnicos pensam em realizar alterações (Foto: Reprodução/Hublot)
É com pontualidade religiosa e assustadora que torcedores e técnicos pensam em realizar alterações (Foto: Reprodução/Hublot)

Qualquer indivíduo familiarizado com as regras do futebol sabe que uma partida normal tem duração de 90 minutos, sendo estes igualmente divididos em dois tempos, salvo as eventuais necessidades de acréscimos. Já uma parcela da população, por outro lado, acredita que um jogo é composto por duas partes que não obedecem a uma convenção pré-definida. Isso se caracteriza como a “Síndrome do Minuto 30”, segundo especialistas.

Basicamente, o indivíduo crê na existência de um único período que se estende até o 30º minuto da etapa complementar. A partir de então, começa outro tempo que parece prolongar-se mais que os 75 minutos anteriores, embora tenha, a rigor, um sexto de sua duração. Na verdade, esse fenômeno, a exemplo de uma boa narrativa machadiana, nada mais é que a sobreposição aguda do tempo psicológico sobre o cronológico.

Esta é a curiosa percepção que acomete Cláudio Pinho, funcionário público que dedicou 23 de seus 50 anos de vida aos alambrados do Estádio Paulo Machado de Carvalho, no bairro do Pacaembu, região central de São Paulo. Assim como os 17 torcedores que se espremiam próximos ao gramado para ver uma peleja qualquer, Pinho entende que o técnico só pode fazer alterações por volta dos 30 minutos do segundo tempo.

“É uma cultura praticamente consolidada no futebol nacional. O treinador sabe que às vezes o resultado pode estar desfavorável, mas confia na tática inicial. Em geral, ele sabe que tem até certo tempo para insistir em determinado padrão de jogo. Depois disso, o pessoal no estádio começa a ficar impaciente, tenso, e então ele resolve mexer. Isso sempre acontece um pouco antes do fim do jogo”, explica, enquanto olha o gramado.

A avaliação tem embasamento. Quem garante isso é o preparador físico Oswaldo Silva, 47 anos, que acompanha o jogo com Pinho. Para o especialista, que atua no ramo esportivo há duas décadas, a queda de rendimento de um atleta é exponencial em vários casos, o que pode ser notado no período a que se refere a síndrome em questão.

“Quem trabalha na área entende como o desgaste físico pode afetar o desempenho e até prejudicar o raciocínio do atleta. Por esses motivos, tirar um jogador exausto e colocar um companheiro com fôlego renovado é primordial. Isso ocorre com mais frequência depois de uma hora de partida. Mas a troca motivada pela fadiga pode sacrificar uma eventual mudança tática. Então, precisa ponderar bem”, alerta o preparador.

A opinião de Silva é pertinente, mas a principal mudança que ocorre no jogo durante essa faixa de tempo é sobretudo mental, acrescenta Pinho. Para exemplificar, ele esclarece que a pressão a que os jogadores são submetidos para controlar o jogo, manter a vantagem ou reverter um resultado negativo influenciam de forma determinante na cabeça do treinador. “Só então o professor decide fazer as alterações”, pontua, com voz firme.

O fato é que a Síndrome do Minuto 30 contagiou o futebol brasileiro. Em raras oportunidades se observa um técnico, em circunstâncias normais, mudar o time aos 40 minutos do primeiro tempo. Com mais frequência, embora ainda tímida, vê-se equipes voltarem para a etapa decisiva com um jogador diferente. Pois não é para ser assim. O jogo só muda pra valer quando faltam 15 minutos para o apito final.

E não são somente os fanáticos com os dedos agarrados aos alambrados do Pacaembu que o dizem. Há uma infinidade de torcedores que, uma vez à beira do campo, esperariam até o tão citado minuto para se direcionar ao suplente e colocá-lo em ação. Claro, isso se não houvesse a necessidade de ganhar tempo, poupar jogadores pensando em compromissos futuros ou reorganizar o time após uma expulsão.

Pinho e Silva, bem como os demais torcedores que deixavam suas digitais registradas nas grades do estádio, sabem disso. Para todos eles, é quase inevitável gritar ou sussurrar “coloca aquele moleque da base, tira essa cone aí da frente” no minuto 30 do segundo tempo, o fatídico momento em que o jogo realmente muda e não há mais para onde fugir. Ali, na anteposição do número três aos três zeros subsequentes, a verdade se revela.

Naquele um quarto de hora, todos os sonhos são reais. Em razão disso os inúmeros pedidos por mudanças surgem na potente voz do fanático e no silencioso pensamento do espectador mais contido. Religiosamente, na tarde daquele domingo, não se sabe se por influência de Pinho ou por ser refém desta cultura, o técnico Silvio Pirillo olhou para o banco de reservas e mandou seus comandados para o aquecimento.

Afinal, o placar permanecia zerado, o relógio marcava 25 minutos de bola rolando na etapa complementar e, portanto, não havia melhor hora para fazer uma substituição. Para alívio dos torcedores, que a essa altura já padeciam por ver o esquálido camisa 16 terminar o jogo sentado.

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Jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero, é apreciador do futebol latino, do teor político-social do esporte bretão e também de seu lado histórico.