De estrela em ascensão a aposentado precoce: Nery Castillo e o fantasma...

De estrela em ascensão a aposentado precoce: Nery Castillo e o fantasma da depressão

Como uma tragédia familiar impediu o sucesso de uma jovem estrela mexicana

COMPARTILHAR

Nery-Castillo-Copa-América-2007Não faltam histórias de potenciais desperdiçados no futebol. Quantas vezes já não vimos jogadores que brilhavam quando jovens não alcançarem o nível que se esperava deles, seja por conta de lesões, comportamento extra-campo ou simplesmente pela pressão de ter que lidar com um novo nível de cobrança?

O fator psicológico é indiscutivelmente essencial para fazer um jovem talento ascender ao status de estrela. Mas o preparo emocional ainda é visto como um tabu tanto por atletas como pelos torcedores. Por isso, às vezes problemas sérios e comuns a pessoas de todas as classes e idades, como a depressão, podem ser a chave para explicar a queda do desempenho de um jogador. E a história de Nery Castillo é um exemplo.

Desde o início da carreira, Castillo parecia fadado ao sucesso. Seu pai, Nery Castillo Faria, foi um jogador uruguaio cujo sucesso superou as barreiras do futebol local e chegou até o México, onde marcou época pelo Atlético Potosino. E foi lá, na cidade de San Luis Potosí, que o pequeno Nery nasceu em 1984.

No entanto, quando o pai se aposentou a família voltou para o Uruguai, e foi lá que o garoto começou a jogar futebol a sério, nas categorias de base do Danubio. Com o bom desempenho em torneios juvenis veio o interesse dos clubes europeus, inclusive do Manchester United, que convidou Castillo para treinar no clube. Mas as regras para confirmação do visto de trabalho atrapalharam a negociação, e Nery acabou fechando com o Olympiacos.

Com apenas 16 anos ele chegava à Grécia, e depois de três temporadas passou a ser titular regularmente de um dos clubes com torcida mais fanática do futebol mundial. E a moral de Castillo era tanta que logo ele passou a vestir a camisa 7, em homenagem à uma das principais organizadas do Olympiacos, a Portão 7.

Na temporada 2006-07 Nery passou a ser considerado uma das maiores promessas do futebol mundial. Atacante rápido, inteligente e criador de jogadas, também sabia balançar as redes. Marcou três gols na Liga dos Campeões e outros 12 no campeonato grego. Enquanto isso, vivia uma controvérsia a respeito da escolha de qual seleção iria jogar.

Castillo podia optar entre o México, seu país de nascimento, o Uruguai, país de seu pai e pelo qual havia jogado as categorias de base, a Itália, nação de seus avós, ou a Grécia, já que já vivia lá havia mais de seis anos. Em meio a um imbróglio que envolveu até mesmo uma oferta de 1 milhão de euros da federação grega, o jovem atacante acabou escolhendo sua terra natal.

Ele estreou pela seleção mexicana em uma partida contra Cuba na Copa Ouro, em junho de 2007. E logo no primeiro jogo já marcou o gol da vitória por 2×1. Depois do vice-campeonato mexicano na competição, Castillo embarcou para o Peru, onde seria disputada a Copa América no fim do mês.

E foi aí que o atacante fez seu nome tomar as manchetes de vez. Com 4 gols, incluindo uma verdadeira obra de arte na estreia contra o Brasil, se firmou como um dos destaques do torneio. As atuações de gala chamaram a atenção do Shakhtar Donetsk. A transferência por 20 milhões de euros seria a mais cara de um clube ucraniano até então.

Um passo importante na carreira, e que acabaria definindo sua trajetória. Castillo não se deu muito bem com o clima congelante do leste europeu. Nos primeiros seis meses de clube, disputou 14 partidas e marcou apenas um gol, com um desempenho muito abaixo do esperado para uma contratação desse porte.

Já não bastasse o frio, nessa época o atacante teve que lidar com dois baques: tanto a mãe como o pai descobriram que estavam com câncer. O trauma fez com que ele sentisse a necessidade de uma mudança de ares, a ponto de pagar do próprio bolso uma taxa para ir jogar no Manchester City por empréstimo.

Na Inglaterra o clima não era tão ruim quanto na Ucrânia, mas a depressão continuava. Com foco fora do campo e precisando viajar várias vezes para o México para cuidar dos pais, ele não conseguiu melhorar seu desempenho em um City que dava seus primeiros passos como milionário.

No ano de 2008 inteiro ele disputou apenas 14 partidas sendo quatro delas no retorno para o Shaktar, no meio do ano. E 2009 já começaria com mais uma bomba: a mãe não resistiu à luta contra a doença e faleceu em janeiro. No final do ano, seu pai, agente e maior incentivador também perdeu a batalha.

O impacto devastador da perda dos pais jamais deixaria sua carreira decolar. Castillo passou a rodar de um clube para outro em empréstimos até o fim de seu contrato com o Shakthar. Em 2011, acabou retornando para a Grécia, dessa vez para atuar pelo Aris. Apesar de alguns momentos que fizeram lembrar do talento mostrado antes, os 7 gols marcados na temporada mostravam que dificilmente ele explodiria como se esperava.

Em 2012 se transferiu para o Pachuca, onde pôde defender pela primeira vez um clube de seu país natal. Marcou apenas um gol na temporada e no ano seguinte foi parar no León, onde disputou nove partidas e não marcou nenhuma vez. Com 29 anos, seu futebol já havia perdido totalmente o brilho.

A última temporada como jogador acabou sendo a de 2013-14, quando marcou dois gols atuando pelo Rayo Vallecano. Desde então Castillo nunca mais jogou futebol profissionalmente. Ao fim daquele ano ele voltou para a Grécia, país onde havia sido mais feliz, para tentar exorcizar seus demônios.

Lá ele descobriu uma nova paixão, a pesca, algo que começou a fazer para se afastar dos problemas que o atormentavam. Montou uma loja de artigos para pesca chamada “Nery’s Fishing” e somente em 2017 anunciou oficialmente sua aposentadoria dos gramados. Em entrevista à ESPN, confirmou que os traumas sabotaram sua carreira. “Quando perdi meus pais, perdi tudo”, afirmou.

A carreira de Nery Castillo terminou, e infelizmente não houve um final feliz, por conta da depressão.  Talvez a história fosse outra se o tema não fosse um tabu tão grande no meio futebolístico, e se ele tivesse sido ajudado a tempo recuperar a carreira. Mas a vida do ex-jogador continua, e felizmente ele encontrou uma outra motivação para seguir em frente.

Deixe seu comentário!

comentários

COMPARTILHAR
Jornalista, 23 anos. Amante do futebol bonito e praticante do futebol feio