Entre professores e pardais, loucos e gênios

Entre professores e pardais, loucos e gênios

Eles mudaram a posição de seus jogadores. E a história do futebol.

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Telê: em vida, amado e odiado (Foto: Reprodução)
Telê: em vida, amado e odiado (Foto: Reprodução)

Exímio ilustrador, o já falecido norte-americano Carl Barks concebeu alguns dos mais importantes personagens do universo dos quadrinhos de Walt Disney. Partiram dele criações como Tio Patinhas, Gastão, Irmãos Metralha e Professor Pardal, em meados do século XX.

Caricatos e extremamente populares, eles acabaram por ganhar, ao longo do tempo, notáveis conotações na sociedade brasileira, que nem o criativo Barks imaginaria. Tio Patinhas, a personificação da avareza; Gastão, o bon vivant; Irmãos Metralha, um termo pejorativo para membros e simpatizantes de um partido brasileiro.

Conotações negativas, que não captam toda a essência dos personagens de Barks. Chamar alguém de Professor Pardal, o inventivo cientista de Patópolis, por exemplo, nos remete a pessoas que se metem a criadoras, sem que realmente o sejam. Responsáveis por ideias dignas de escárnio. Inúteis.

Em algum momento da história, o termo chegou ao mundo do futebol. Passou a rotular treinadores que iam além de entregar coletes para titulares e reservas. Que arriscavam táticas novas. E entendiam que a modalidade era, é e sempre foi coletiva, e não individual. Assim, para vencer, no entendimento deles, era preciso se organizar melhor que seu adversário.

Provavelmente, os criadores da conotação não sabiam que o Professor Pardal representava muito mais nos gibis. Era uma singela homenagem de Barks não só a cientistas, mas a todas as pessoas que buscam pensar além daquilo que é previsível.

Nas histórias, Pardal era constantemente ridicularizado e subestimado por seus inimigos, e até por seus amigos, em alguns casos. Sempre, porém, seus inventos derrubavam os adversários e salvavam o dia. Gênio ou louco?

Saldanha lançou bases para a espetacular seleção de 1970 (Foto: Reprodução)
Saldanha lançou bases para a espetacular seleção de 1970 (Foto: Reprodução)

João Saldanha enfrentou forte resistência da crítica quando decidiu colocar o brilhante Gérson, armador do Botafogo, mais recuado que o normal. Aproveitava sua grande capacidade de fazer lançamentos longos para ter uma saída de bola mais eficiente na seleção brasileira.

Alguns tropeços perto do final da preparação para o Mundial de 1970, somado a seu engajamento político (e às supostas exigências de ditadores, talvez) o fizeram ser demitido antes do esperado. Zagallo assumiu, manteve Gérson onde estava e foi campeão. Saldanha, o louco. Zagallo, o gênio.

Claudio Coutinho era ridicularizado na década de 70 por usar terminologias como overlapping, ponto futuro e polivalência. Inspirado no Futebol Total da Holanda de Rinus Michels. Dizia que o Brasil não podia depender de craques e que necessitava de um jogo coletivo elaborado. Fracassou no Mundial de 78 e suas ideias caíram no esquecimento.

Pelo Flamengo, reza a lenda que viu o garoto Júnior, destro, que se dizia lateral direito, e não se conformou. Fez o rapaz treinar apenas com a perna esquerda durante semanas e o levou para a outra lateral. Criou um dos melhores jogadores da história da posição.

Foi campeão brasileiro pelo rubro-negro, é verdade, mas morreu em 81, em um acidente, como a personificação de um louco. Paulo Cesar Carpegiani, seu pupilo, venceria a Libertadores e o Mundial naquele ano com um futebol coletivo muito empolgante. Era o gênio.

Telê Santana, em plena final de Campeonato Brasileiro, em 1990, diante do Corinthians, decidiu colocar o experiente e bem quisto lateral-direito Zé Teodoro no banco, para dar lugar ao jovem Cafu, que era uma das principais peças do meio de campo do São Paulo. Como já havia acontecido inúmeras vezes em sua carreira, acabou crucificado.

Mário Sérgio, à época comentarista, criticou duramente Telê em inúmeros momentos da transmissão. Repetia que era “inadmissível colocar o melhor lateral direito em atividade no Brasil entre os reservas para improvisar Cafu, meia de seleção brasileira”. O São Paulo perdeu a decisão e certamente muitos tricolores deram razão ao crítico.

Nelsinho Baptista, com sua retranca, era o gênio. Telê, mais uma vez, o louco. Anos mais tarde, o São Paulo se tornou bicampeão da Libertadores e do Mundial, com o mesmo técnico. Nelsinho foi demitido no ano seguinte. E Cafu se estabilizaria como dono da lateral-direita da seleção e do Milan por muito tempo.

A lista é interminável. Sócrates centroavante? Não para Jorge Vieira. Schweinsteiger não é meia ofensivo aos olhos de Van Gaal. Candinho achava que Rincón, devido à idade avançada, poderia render mais como volante do que como meia no Corinthians. Suas invenções não deram resultado e acabou demitido. Luxemburgo colheu os louros.

Todo gênio já foi chamado de louco. No futebol não é diferente, e boa parte deles morre sem as devidas retratações. Há sempre o risco de dar errado, é verdade. Mas toda tentativa de inovação é digna de aplausos, e não de termos pejorativos.

Na mesmice do futebol brasileiro, Juan Carlos Osório é uma luz no fim do túnel. Tal qual Guardiola e seu recente Bayern sem zagueiros é para o futebol europeu.

Que esses verdadeiros professores, e quem mais aparecer, não deem ouvidos às críticas. E que, um dia, possam sorrir ao lado de Carl Barks, onde quer que ele esteja. Mas não antes do merecido reconhecimento em vida.

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