Há dez anos, Drogba parava uma guerra civil na Costa do Marfim

Há dez anos, Drogba parava uma guerra civil na Costa do Marfim

Craque fez um discurso emocionado para acabar com a guerra em seu país

COMPARTILHAR
Drogba é reverenciado como uma divindade pelos marfinenses (Foto: Reprodução)
Drogba é reverenciado como uma divindade pelos marfinenses (Foto: Reprodução)

Do ponto de vista militar, existem diversas maneiras de acabar com uma guerra. Investimento pesado em armas, estratégias elaboradas, enfraquecimento do adversário por meio de bloqueios, e por aí vai. Só que é difícil apontar um real vencedor em um conflito bélico, considerando-se a quantidade de vidas que se perdem no caminho.

Qual seria, então, a melhor forma de resolver um conflito? As palavras. Mas não palavras de qualquer um. Se forem ditas pelo maior ídolo de uma nação, é evidente que o peso será muito maior.

Uma prova disso aconteceu há exatos 10 anos, no dia 8 de outubro de 2005. No vestiário do estádio Al Merreikh, no Sudão, os jogadores da seleção da Costa do Marfim celebravam a classificação para a Copa do Mundo que seria realizada no ano seguinte.

Em meio às comemorações, uma rede de TV marfinense conseguiu acesso aos atletas, e pediu uma palavra para a maior estrela da equipe, o atacante Didier Drogba. Essencial na campanha que escrevia um novo capítulo para a Costa do Marfim no esporte, Drogba aproveitou para fazer um discurso que também mudaria a história de seu país fora dos campos.

O conflito

No início dos anos 2000, a Costa do Marfim vivia o auge da tensão étnica que já se arrastava há um longo tempo. O país tinha uma cisão entre a parte norte, mais pobre e localizada na região das savanas, e a parte sul, mais rica e predominantemente florestal.

O Norte tinha um alto contingente de imigrantes de países vizinhos, como Burkina Faso e Mali. Em 2002, os rebeldes dessa região tomaram controle das importantes cidades de Bouaké e Korhogo, e tentaram inclusive dominar a capital Abidjan, sem sucesso.

Com isso, a cisão estava clara: o Norte, controlado pelos revolucionários das “Forças Novas”, e o Sul, sob domínio das Forças Armadas locais. Os confrontos não paravam, levando à morte de centenas de civis e até mesmo agentes pacificadores da ONU.

O craque

Drogba nasceu na capital Abidjan, em 1978. Com apenas cinco anos, foi morar na França com seu tio Michel Goba, que na época jogava como atacante no Stade Brestois. Apesar de ter sido criado na Europa e ter recebido propostas para atuar pela seleção francesa, preferiu defender sua terra natal.

Em 2005, o atacante já era uma das principais estrelas do milionário elenco do Chelsea, recém-consagrado como campeão inglês. Mas para aquele ano ainda havia um objetivo importante a alcançar: a classificação inédita da Costa do Marfim para um Mundial.

Drogba havia marcado nove gols na campanha da seleção nas eliminatórias, fazendo com que sua equipe chegasse na última rodada viva na briga contra Camarões pela vaga. O confronto direto na rodada anterior tinha sido favorável aos camaroneses, que venceram por 3×2.

Com isso, a Costa do Marfim precisaria vencer o Sudão fora de casa e torcer para um tropeço dos Leões Indomáveis contra o Egito. Os marfinenses fizeram sua parte, vencendo por 3×1. Simultaneamente, Camarões empatava com o Egito por 1×1.

Nos acréscimos do segundo tempo, os camaroneses tiveram um pênalti a seu favor. Se Pierre Womé convertesse, levaria os Leões para a Copa na Alemanha. Se errasse, a Costa do Marfim se classificaria. E ele errou.

Os marfinenses estavam, pela primeira vez, classificados para a competição mais importante do futebol. Um povo apaixonado pelo futebol, que tinha finalmente uma chance de participar da maior festa do esporte.

O discurso

Líder técnico e moral do time, Drogba sabia de sua importância para o país como um todo. Fugindo das declarações protocolares tão habituais em jogadores de futebol, ele viu uma janela aberta para fazer a diferença. Com o microfone na mão e atenção de seus compatriotas, fez um histórico apelo:

“Homens e mulheres da Costa do Marfim, do Sul, Norte, do Centro e do Oeste. Nós provamos hoje que todos os marfinenses podem co-existir e se juntar por um objetivo: se classificar para a Copa do Mundo. Nós prometemos a vocês que a celebração iria unir as pessoas.

Hoje, nós nos ajoelhamos e imploramos: Perdoem! Perdoem! Perdoem! Um país com tantas riquezas não pode sofrer com uma guerra. Por favor, abaixem as armas. Vamos realizar as eleições, e tudo será melhor. Nós queremos nos divertir, então abaixem suas armas!”

O discurso teve efeitos quase imediatos. em pouco menos de uma semana, líderes das duas frentes que controlavam o país buscaram uma reaproximação, por conta da comoção popular provocada pelas palavras do ídolo local.

Drogba, que já havia construído hospitais e escolas e buscado apoio em ONGs para ajudar a reerguer seu país, conseguia se tornar uma referência ainda maior fora do campo do que dentro dele.

Cessar-fogo

Em 2007, o atacante foi novamente essencial para fomentar a integração entre os povos da Costa do Marfim. O Acordo de Ouagadogou havia sido assinado no início de março, selando o cessar-fogo e convocando novas eleições no país.

Reconhecendo o clima de desconfiança que ainda tomava conta das duas partes, Drogba pediu para que a partida contra Madagascar, válida pelas Eliminatórias da Copa Africana de Nações, fosse disputada na capital dos rebeldes, Bouaké.

Os jogadores foram conduzidos ao estádio por um tanque, enquanto recebiam o caminho dos torcedores que já não pareciam mais se importar com nenhuma rixa. Nas tribunas, o presidente Gbagbo sentava-se ao lado do ex-guerrilheiro Kigbafori Soro.

A partida serviu para lavar a alma dos marfinenses. 5×0 no placar, fechado com um gol do astro. “Cinco gols para acabar com cinco anos de guerra”, estampava a manchete do principal jornal do país.

 

Deixe seu comentário!

comentários