Índia, a pátria sem chuteiras

Índia, a pátria sem chuteiras

Nos Jogos Olímpicos de 1948, jogadores da seleção indiana atuaram descalços contra a França

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No mundo das corridas, a história de Abebe Bikila é bastante famosa. Ele foi o primeiro africano negro a tornar-se campeão olímpico. A façanha ocorreu em 1960, quando Roma sediou os Jogos e viu o atleta de 28 anos dominar a tradicional prova da maratona. Um curioso detalhe amplificou a repercussão de sua vitória: o etíope correu descalço.

Como a fornecedora de materiais esportivos à época tinha poucos tênis disponíveis quando Bikila os experimentou, sobrou-lhe um par desconfortável. Então, ele preferiu competir como treinava. Nas ruas da capital italiana, percorreu 42,195 km em 2h15min16s2. Em 1952, foi bicampeão em Tóquio, desta vez usando sapatos.

No futebol, histórias semelhantes à do etíope parecem inviáveis, embora às vezes um jogador ou outro perca a chuteira durante o jogo. Eventualmente, alguns deles podem até marcar gols descalços, como o fez Leônidas da Silva na Copa do Mundo de 1938, na França, quando o Brasil estreou com vitória sobre a Polônia por um emocionante 6 a 5.

Todavia, um time já entrou no gramado com vários jogadores sem chuteiras. O insólito fato ocorreu nos Jogos Olímpicos de 1948, em Londres, e teve a Índia como protagonista. Na ocasião, o país participava de seu primeiro torneio oficial após a independência, proclamada no ano anterior. O adversário na estreia foi a França, em 31 de julho.

Jogadores sem chuteiras
Sem chuteiras, jogadores indianos usavam meiões e bandagem para proteger os pés (Foto: Reprodução)

Os europeus haviam marcado o primeiro gol da partida aos 30 minutos da etapa inicial, com René Courbin, ao passo que o empate veio no segundo tempo. Os indianos perderam dois pênaltis, e René Persillon decidiu a partida no fim, classificando os franceses para as quartas de final, fase em que perderiam para a Grã-Bretanha por 1 a 0.

A bem da verdade, há diferentes relatos sobre o episódio. Alguns afirmam que todos os indianos atuaram sem chuteiras, usando apenas bandagens para proteger os pés, enquanto outros dizem que três atletas teriam utilizado o equipamento.

Porém, o consenso é que a equipe mostrou-se habilidosa e bastante corajosa diante do frio londrino e dos adversários calçados, tanto que convidada pelo King George VI para visitar o Palácio de Buckingham, residência oficial da monarquia britânica, após a partida.

Quando a Índia desistiu de jogar a Copa do Mundo de 1950, inclusive, surgiu um boato de que sua ausência era motivada pela regra que proibia jogadores descalços. Mas o país desistiu em virtude da falta de preparação e das altas despesas, embora a FIFA tenha se comprometido a ajudar na maior parte dos gastos.

De fato, a Índia considerava o esforço muito grande para disputar um torneio para o qual eles não davam tanta importância. Por isso, preferiram abandoná-lo e priorizaram as Olimpíadas seguintes. O próprio capitão indiano à época, Sailen Manna, confirmou que a ausência no Mundial não era em virtude da proibição da entidade máxima do futebol.

Nos Jogos de 1952, disputados em Helsinque, na Finlândia, a Índia, então atual vencedora dos Jogos Asiáticos, voltou a entrar em campo com jogadores descalços, enfrentando condições climáticas muito diferentes das suas. Assim, a equipe não conseguiu repetir a boa atuação em Londres e perdeu a estreia diante da antiga Iugoslávia por 10 a 1.

Após a traumatizante goleada para a seleção que ficaria com a medalha de prata pela segunda vez consecutiva (a Suécia foi campeã em 1948), a Federação Indiana tornou obrigatório o uso de chuteiras a partir de 1953. Curiosamente, o país nunca voltou a ter uma geração tão brilhante quanto aquela que entrava em campo de pés desnudos.

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