A luta contra o racismo do “outro Best” do futebol inglês

A luta contra o racismo do “outro Best” do futebol inglês

Clyde Best foi um dos primeiros negros a ganhar destaque nos campos da Inglaterra

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Best abriu as portas para os negros no futebol da Inglaterra (Foto: Reprodução)
Best abriu as portas para os negros no futebol da Inglaterra (Foto: Reprodução)

Qualquer torcedor que acompanha a história do futebol inglês está familiarizado com o nome Best. Afinal de contas, essa era a alcunha de um dos craques mais lendários da história do esporte britânico, ninguém menos que George Best, um símbolo da relação tênue entre genialidade e loucura, e um dos maiores exemplos de personalidade e contracultura no futebol.

Mas George não era o único boleiro da liga inglesa nos anos 1960 e 1970 que se destacou pela sua postura combativa. Enquanto o craque do Manchester United lutava contra as amarras da sociedade conservadora, um outro Best fazia sua jornada particular contra um adversário implacável, com força ainda maior naquela época: o racismo. E o nome desse guerreiro solitário era Clyde.

Nascido em 1951 nas Bermudas, Clyde era apenas um jovem centroavante promissor do time de sua cidade natal, o Sumerset Trojans, quando foi para a Inglaterra em 1968. Seu destino seria o West Ham, clube que vivia seu auge na década de 1960, contando com Bobby Moore, Martin Peters e Geoff Hurst, peças-chave da Inglaterra no título da Copa do Mundo de 1966.

A estranheza dos torcedores ao verem Clyde Best com a camisa vinho e azul do West Ham ia além de se tratar de um garoto de 17 anos no meio de medalhões. Naquele período, Best era um dos raríssimos jogadores negros na liga inglesa, que até então era praticamente restrita aos brancos.

No início, o atacante sofreu. Como se não bastasse a adaptação a uma mudança de continente e de cultura, Best tinha de aturar cânticos racistas em praticamente todas as partidas em que atuava fora de casa. Entre as manifestações, gestos imitando macacos e gritos para que ele voltasse às Bermudas.

A própria torcida do time londrino lançava mão das ofensas racistas quando o atleta não jogava bem. O preconceito era deliberado e não sofria nenhuma espécie de repressão por parte das autoridades do esporte. Somando-se a isso, um episódio extra-campo quase encerrou precocemente a passagem do bermudense pelo futebol inglês.

Em 1970, Best foi convidado pra uma festa por algumas das estrelas da equipe. E um simples garoto não teria calibre pra recusar um convite do capitão Bobby Moore e o histórico artilheiro Jimmy Greaves. A bebedeira durou a noite inteira, e os jogadores se apresentaram atrasados para a partida do dia seguinte, um mata-mata da Copa da Inglaterra contra o Blackpool.

O West Ham era franco favorito no duelo, mas acabou saindo derrotado por 4×0. Os tabloides locais não perderam tempo em relacionar o fraco desempenho do time com a festança na noite anterior, e Best acabou sendo um alvo fácil. No entanto, o técnico Ron Greenwood, acreditando no potencial do atleta, resolveu bancar sua permanência no time.

A confiança do comandante deu resultado. A partir daí, Clyde deslanchou nos hammers e acabou conquistando a torcida com seu estilo de jogo, caracterizado por mistur força e potência típicas dos centroavantes ingleses com uma certa qualidade com a bola nos pés, que o colocava acima de muitos concorrentes da época.

Seus gols normalmente aconteciam em cabeçadas impressionantes ou em finalizações firmes com o pé direito. Best passou a assombrar os rivais, e na temporada 1971-72 teve seu melhor desempenho no futebol inglês, marcando 17 gols na liga.

A barreira esportiva era superada, mas a briga contra o racismo continuava. Tentando amedrontar o centroavante a ponto de ele desistir de atuar, torcedores rivais enviavam cartas ameaçando cortar suas pernas, ou jogar ácido em seu rosto. As ameaças eram encaminhadas para a polícia, mas tratadas pelos oficiais como uma mera brincadeira.

A solução para Best foi usar o que tinha de melhor, seu futebol. Fez uma ótima parceria com Geoff Hurst, e mesmo depois da saída do parceiro, conquistaria o título da Copa da Inglaterra em 1975, na final contra o Fulham. No entanto, o novo treinador, John Lyall, tinha algumas reservas quanto ao seu futebol. Sem querer ficar no banco, Best transferiu-se para a Liga Norte-Americana em 1976, sem saber o tamanho de seu legado para o futebol inglês.

Depois da boa passagem dele pelos Hammers, os clubes ingleses começaram a abrir as portas para os negros com mais frequência, e o comportamento dos torcedores com relação a esses atletas mudou. Enquanto o atacante conquistava o título nacional pelo Tampa Bay Rowdies em 1976, o futebol inglês se tornava ao menos um pouco mais tolerante na questão racial.

Depois do título nos Estados Unidos, Best voltou à Europa em 1977 para defender o Feyenoord. A passagem não teve muito sucesso, sendo que o clube holandês havia se desfeito de suas principais estrelas, e o goleador retornou para o continente americano. Até o fim de sua carreira, em 1984, ele ainda passaria por mais quatro times do país, jogando futebol indoor.

Seu nome já estava marcado. Consolidado como o maior nome do futebol das Bermudas, Best ainda receberia a homenagem da Ordem do Império Britânico, em reconhecimento à sua luta contra o preconceito. O racismo não havia acabado ali, como ainda permanece até hoje. Mas não foi capaz de derrubar o forte Best.

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Jornalista, 23 anos. Amante do futebol bonito e praticante do futebol feio