Ndaye Mulamba: O triste destino do leopardo mais feroz do Zaire

Ndaye Mulamba: O triste destino do leopardo mais feroz do Zaire

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Durante a Copa do Mundo de 1974, os fãs de futebol puderam testemunhar uma seleção que acabaria ficando marcada na história do torneio por motivos pitorescos. O Zaire (atual República Democrática do Congo) foi eliminado com três derrotas em três jogos, com direito a essa cena insólita:

Devido ao baixo nível de acesso à informação na época, poucos se preocuparam em saber a realidade vivida por aquele time. Assim, muita gente não chegou a conhecer sequer o grande craque da equipe: Ndaye Mulamba, artilheiro e capitão do Zaire na Copa.

Mas a história de Mulamba vai muito além daquelas poucas semanas turbulentas na Alemanha. Nascido em 1948 no então chamado Congo Belga, começou a jogar futebol logo cedo, estreando pelo Renaissance du Kasai aos 15 anos.

Mas o futebol até então era apenas um sonho pouco rentável, forçando o jovem Ndaye a concluir seus estudos e, em seguida, dividir as suas atenções entre os esportes e o emprego como professor de educação infantil.

Continuou se destacando no campos, e aos 20 anos chegou a ser pré-selecionado para o escrete do Zaire que conquistou a Copa das Nações Africanas em 1968. No entanto, foi cortado da lista final por conta de uma preferência do treinador por atletas que atuavam na Bélgica.

Em 1972, finalmente largou o posto como professor para se dedicar exclusivamente ao futebol. Afinal, àquela altura já era um dos maiores nomes do esporte no país. Capaz de atuar tanto no meio de campo como no ataque, foi contratado pelo AS Vita, onde conquistou o título da Copa dos Campeões da África em 1973.

A taça transformou Mulamba em orgulho nacional, mas o passo maior seria dado na seleção do Zaire. Na fase final das eliminatórias africanas, Ndaye foi decisivo no confronto direto pela vaga contra Marrocos, marcando dois gols.

Antes de chegar na Copa, no entanto, o Zaire ainda tinha uma etapa importante: A Copa das Nações Africanas, que seria disputada no Egito, poucos meses antes do Mundial. E Mulamba foi simplesmente o nome do torneio.

O atacante marcou nove dos 14 gols da equipe no torneio, incluindo quatro na final contra a Zâmbia (sendo dois deles no jogo replay). O número é recorde do torneio até hoje. Como não poderia deixar de ser, recebeu o prêmio de melhor jogador do campeonato.

Na volta para o Zaire, Mulamba foi recebido como heroi. Condecorado com a Ordem Nacional do Leopardo, maior honraria do país, parecia que o céu seria o limite. Mantendo o desempenho em um cenário global como a Copa do Mundo, o jogador poderia se tornar uma estrela internacional.

Mas as coisas não correram como o esperado na Alemanha. O grupo era difícil, com Escócia, Iugoslávia e Brasil, portanto não se esperava uma classificação do Zaire, até porque pouco se conhecia sobre o time. Só que a surpresa acabou sendo negativa.

Mulamba foi o capitão na Copa de 1974 (Foto: Reprodução)
Mulamba foi o capitão na Copa de 1974 (Foto: Reprodução)

A estreia até que foi digna, com uma derrota “normal” contra a Escócia por 2×0. Mas pouco antes da segunda partida, contra os iugoslavos, uma questão interna destroçou a equipe. Antes da Copa havia sido acertada uma premiação de 45 mil dólares por uma eventual vitória. Mas o responsável pela promessa simplesmente desapareceu com o dinheiro.

Como capitão do time, Mulamba tentou negociar um novo prêmio com a federação do país, sem sucesso. E a decepção foi demonstrada de forma grosseira em campo. Com 22 minutos de jogo contra a Iugoslávia e um 4×0 adverso no placar, o craque acabou expulso. A partida acabaria 9×0, e Mulamba estava fora da Copa.

Na terceira rodada, a derrota protocolar contra o Brasil por 3×0 ficou marcada apenas pelo lance bizarro exibido no topo deste texto. Na cabeça dos jogadores da seleção, o mau desempenho era justo considerando a promessa que havia sido quebrada. Mas o resto do país não viu bem assim.

Dentro de campo Mulamba seguia correspondendo e dominando o campeonato do Zaire, mas a idolatria da torcida diminuiu consideravelmente depois do vexame na Copa do Mundo. Por conta de sua qualidade técnica ainda conseguiu jogar até os 40 anos, quando as dores das lesões ficaram mais fortes.

Com uma carreira tão vitoriosa, esperava-se que o nome do ídolo fosse lembrado por bastante tempo, mas o povo do Zaire tinha problemas maiores em mente. Na década de 90 a guerra civil no país tomou proporções enormes, que afetaram profundamente a vida do ex-jogador.

O primeiro trauma veio quando soldados invadiram sua casa e tentaram fazer com que pagasse uma alta quantia em dinheiro, pensando que a carreira de jogador tivesse trazido bons frutos financeiros. Mas Mulamba havia juntado pouco. Recusando-se a dar o pouco que tinha, foi baleado nas pernas. Justamente aquelas que haviam lhe dado tanta fama.

Foram oito meses de recuperação, nos quais o ex-atleta faliu de vez. para completar o tratamento, recorreu à ajuda do antigo colega de seleção Emmanuel Paye-Paye. Mas ainda tinha um outro baque a vir, ainda pior.

O antigo ídolo do Zaire vive na África do Sul (Foto: Reprodução)
O antigo ídolo do Zaire vive na África do Sul (Foto: Reprodução)

Em meio ao combate, o único filho homem de Mulamba acabou morto. Com a família destroçada, o antigo ídolo do Zaire se viu forçado a buscar asilo político na África do Sul. Tudo havia mudado, das glórias nos gramados até mesmo ao nome de sua nação, que pouco depois viraria a República Democrática do Congo.

Mesmo depois do fim do conflito, Mulamba continuou morando no país que o acolheu, a África do Sul. Vivendo praticamente como um anônimo, com pouca gente para lembrar de seu desempenho feroz em campo. Um leopardo abandonado pela alcateia, mas cheio de grandes memórias para contar.

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