O futebol paulista e o Estado Novo

O futebol paulista e o Estado Novo

Entenda um pouco sobre relações entre a ditadura varguista e o esporte bretão em São Paulo

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O Estado Novo (1937-1945) foi um período bastante relevante na história do Brasil em diversos aspectos. Durante a referida ditadura de Getúlio Vargas, o país vivenciou significativas mudanças políticas, econômicas, educacionais e também esportivas.

Na Região Sudeste, principalmente no eixo Rio-São Paulo, o processo de industrialização, que ainda era incipiente, foi acelerado e atraiu a população do campo para a cidade. Já o futebol paulista, em 1933, havia deixado o amadorismo e se profissionalizado.

Portanto, o ludopédio se afirmava como importante manifestação cultural, despertando cada vez mais o interesse das massas. Esse fenômeno foi muito importante para um regime que via o esporte como fator estratégico para consolidar um projeto ambicioso.

Nesta época, o desporto era usado propaganda política e ícone pátrio, destacando-se na construção de uma identidade nacional. Por isso, houve as fundações da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (1939) e do Conselho Nacional de Desportos (1941).

Além da criação destas instituições, também teve fundamental importância na concepção estado-novista o erguimento de grandes palcos, sejam eles para finalidades cívicas ou políticas, como a celebração de datas festivas e manifestações.

Festa na inauguração do Pacaembu, em 1940 (Foto: Reprodução/Blog Memória EC)
Festa na inauguração do Pacaembu, que tinha capacidade para mais de 70 mil pessoas (Foto: Reprodução/Blog Memória EC)

Neste contexto, inaugurou-se no dia 27 de abril de 1940 o grandioso Estádio do Pacaembu, o marco de uma nova era. Na cerimônia de abertura até Getúlio Vargas esteve presente.

A festa de estreia do Pacaembu teve dimensões nacionais, com outros importantes políticos prestigiando a ocasião. Nesta data, houve um grande desfile de atletas e representantes das forças armadas. No dia posterior, enfim, as esperadas competições.

Além das disputas de boxe, esgrima e natação, ocorreram jogos entre equipes de diferentes estados. Primeiro, o Palestra Itália venceu o Coritiba por 6 a 2. Depois, o Corinthians bateu o Atlético-MG por 4 a 2, simbolizando a almejada integração nacional.

Apesar de transmitir partidas, vale ressaltar, o Estado não teve influência direta em seu principal veículo de comunicação quanto ao uso do futebol como meio de propagação ideológica, segundo o sociólogo Daniel Damasceno Crepaldi mostra em sua dissertação de Mestrado na Universidade Nacional de Brasília, intitulada “A participação da rádio nacional na difusão do futebol no Brasil nas décadas de 1930 e 1940.

Outros estudos mostram que o governo varguista falhou na missão de submeter o futebol aos seus interesses. É o caso da tese de mestrado “A Narrativa da Ordem e a Voz da Multidão: Futebol na Imprensa durante o Estado Novo” (FFLCH-USP), na qual a historiadora Melina Pardini explica que a própria população brasileira se mostrava contrária à ideologia do governo em relação ao esporte.

Getúlio Vargas desfila e acena para o público no Pacaembu (Foto: Reprodução/SP Curiosos)
Getúlio Vargas desfila e acena para o público no Pacaembu (Foto: Reprodução/SP Curiosos)

De fato, uma parte considerável dos paulistas não tinha grande simpatia por Getúlio devido aos desdobramentos da Revolução Constitucionalista de 1932, que fracassou em seu objetivo de derrubar o Governo Provisório de Vargas e promulgar uma nova constituição para o Brasil.

Por isso, na inauguração do Pacaembu, como o país vivia sob o autoritarismo que proibia até a ostentação de bandeiras estaduais, o público local vibrou quando o São Paulo Futebol Clube desfilou representando o nome e as cores do estado, episódio que lhe rendeu o apelido de “O Mais Querido”.

Já em 1942, em decorrência da entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, o futebol paulista voltaria a ser afetado por fatores políticos.

Desta vez, pela forte campanha de nacionalização, que visava diminuir a influência de comunidades estrangeiras no país,  principalmente aquelas ligadas aos países do eixo (Alemanha, Itália e Japão).

Em função dessas medidas, o Palestra Itália foi obrigado a mudar de nome e passou a se chamar Sociedade Esportiva Palmeiras, enquanto o mesmo ocorreu com o Hespanha Foot Ball Clube, que virou o atual Jabaquara Atlético Clube. Mudanças que não devem ter agradado às colônias homenageadas.

Ostentando as cores e o nome do estado de São Paulo, Tricolor foi ovacionado no Pacaembu (Foto: Reprodução/SPFC1935)
Ostentando as cores e o nome do estado de São Paulo, Tricolor foi ovacionado no Pacaembu (Foto: Reprodução/SPFC1935)

Hoje, os dois clubes permanecem com os nomes que adotaram no Estado Novo.

Por outro lado, o Pacaembu não sofreu com a mesma influência do governo getulista e, ao longo dos anos, deixou de abrigar manifestações políticas para sediar apenas jogos de futebol e outros eventos.

Essa é uma prova de que nem tudo acontece da maneira como as forças dominantes planejam. Às vezes, é algo imprevisível tal como a bicicleta de Leônidas da Silva, craque do Brasil na Copa do Mundo de 1938 e jogador do São Paulo entre 1942 e 1950.

Ídolo do clube paulista, o Diamante Negro, de origem humilde, ganhou notória popularidade em sua carreira, embora não fosse, na visão do governo, o modelo ideal de atleta, que inspirava disciplina e bom exemplo.

Leônidas era transgressor e cativante, o que lhe dava grande prestígio entre seus admiradores. Assim como é o futebol, que permite ao seu fã cultivar uma relação especial e nem sempre obediente, que cria uma identidade espontânea e verdadeira.

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