Sarri: de funcionário de banco a líder do Campeonato Italiano

Sarri: de funcionário de banco a líder do Campeonato Italiano

Conheça a peculiar história de Maurizio Sarri, atual técnico do Napoli, que lidera a Serie A da Itália.

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Maurizio Sarri (Foto: Reprodução)
Maurizio Sarri (Foto: Reprodução)

Maurizio Sarri apaga seu cigarro no cinzeiro novamente. Já era a quarta vez que aparecia na área de fumantes do banco Monte dei Paschi naquele dia. E sequer havia almoçado. As horas não passam. Está entediado, pois ainda restam dezenas transações bancárias para efetuar.

Ao som de máquinas de cheques, Sarri passa a rabiscar um bloquinho com alguns dilemas. Dois ou três volantes no meio de campo? Um ataque formado por um atacante fixo cercado por pontas? Ou o centroavante isolado, com três meias mais recuados?

Estava em dúvida na escalação do Tegoleto, pequeno clube da região da Toscana, na partida do próximo final de semana, mas não tinha dúvida sobre quais rumos tomar em sua vida. Enfim havia chegado a hora de correr atrás de seu sonho.

No dia seguinte, já não trabalhava mais no Monte dei Paschi. Era técnico do Tegoleto, apenas. E, com dois ou três volantes, com pontas ou meias recuados, Sarri fez seu time vencer no final de semana.

Era o que bastava para comunicar aos poucos, mas apaixonados torcedores do Tegoleto o que já estava decidido dias antes, quando ainda era bancário: iria se mudar para Monte San Savino, pois havia aceitado uma proposta do Sansovino, clube vizinho ligeiramente maior, embora também praticamente amador.

Sarri finalmente tinha nas mãos a chance de concretizar seu grande sonho de infância: trabalhar com futebol. Filho de operários, havia tentado em vão a carreira de jogador, não tendo passado de clubes amadores.

Limitava-se a acompanhar de longe seu ídolo Diego Maradona, grande herói de sua cidade natal, Nápoles, e de seu time de coração, Napoli. E a assistir compulsivamente, pela TV ou na arquibancada, a todos os jogos que conseguia. Afinal, seu sonho havia sido adiado, nunca interrompido.

O primeiro ano de Sansovino, naquele sombrio ano 2000, foi de pouco progresso. A tarefa de Sarri seria muito mais complexa do que imaginava. Não conseguiu a sonhada classificação à Série D, equivalente à quinta divisão da Itália, ainda semiprofissional.

O técnico percebeu que precisava se aprimorar. Criou uma nova regra interna para si: estudar o jogo por 13 horas diárias. Respirava futebol. Teria uma nova chance na temporada seguinte, de 2000-01, a primeira em que comandaria o time durante o ano inteiro.

Meados de 2001. Sarri celebrava o acesso sendo recebido com muita festa por algumas dezenas de torcedores em Monte San Savino. A desejada vaga na Série D era sua, finalmente. Mas ainda não era o suficiente. O técnico disputaria um novo acesso mais uma vez contra times da própria Toscana, em uma espécie de elite de campeonato estadual.

Dois anos depois, lá estava ele reverenciado por torcedores novamente. Estava na Serie C2. Pela primeira vez, a nível profissional. Nesta época, ganharia o apelido que o acompanharia pelo resto da vida: “Mister 33”, ou “Senhor 33”.

Sarri não abandona seu vício nem mesmo no banco de reservas (Foto: Divulgação/Empoli)
Sarri não abandona seu vício nem mesmo no banco de reservas (Foto: Divulgação/Empoli)

Segundo o sarcástico jornalista local que o apelidou, esse era o número de jogadas de bola parada ensaiadas minuciosamente pelo técnico a seus pupilos no Sansovino. Sarri respondeu dizendo que não eram 33, mas que passavam de 30.

O sucesso o levou ao Sangiovannese no ano seguinte. Não precisou de mais de uma temporada para levar a equipe à Série C1. Em 2005, já estava no Pescara disputando a Série B. A segunda divisão italiana.

Sarri logo percebeu que havia entrado em uma fase crucial: ou chegava ao topo, ou ficava entre os intermediários para sempre. E não foi fácil. Durante sete anos, o técnico pulou de clube em clube, da Serie B à C1: Arezzo, Avellino, Verona, Perugia, Grosseto, Alessandria e Sorrento.

Veio a oferta do Empoli, em 2012. Sarri aceitou. Estudou como um louco. Queria a Serie A a qualquer custo. Seus 33 esquemas dobraram. E quase deram certo. Ao final da temporada, terminou em quarto, perdendo nos playoffs para o Livorno. No ano seguinte, o acesso não escapou. Chegou à Serie A.

Sarri não era amigo dos jogadores. Nunca foi do tipo motivador. Era um ex-bancário. Acreditava na razão. Não à toa, o Empoli foi a equipe que mais fez gols em jogadas de bola parada naquela Serie B. Entre um cigarro e outro no banco de reservas, sua característica marcante, observava a extrema disciplina tática de seu time.

O Mister 33 estava na elite. Mas os jornalistas ainda o subestimavam. O Empoli era apontado por analistas como o grande candidato ao descenso em 2014-2015. Terminou em 15. Sofreu, mas escapou.

Sob desconfiança, Maurizio Sarri assumiu o Napoli em meados de 2015 (Foto: Divulgação/Napoli)
Sob desconfiança, Maurizio Sarri assumiu o Napoli em meados de 2015 (Foto: Divulgação/Napoli)

E foi no último mês de julho que seu sonho se concretizou. Rafa Benítez trocou o Napoli pelo Real, e o Napoli fez uma proposta por Sarri. Ele não pensou duas vezes. Enfim assumiria o comando de seu clube de infância. A alegria durou poucos dias.

“Não é o homem certo para o Napoli. Não ganharemos nada com ele”. As duras palavras não vieram de um jornalista sarcástico, desta vez. Vieram de Diego Maradona, seu grande ídolo. Sarri nunca escondeu: aquela frase lhe doeu na alma.

No primeiro jogo, derrota para o Sassuolo. O time como um todo ainda estava afetado. Mas Sarri tratou de deixar o abatimento para trás. Com seus inconfundíveis treinos táticos, que envolvem filmagens de drone, fez o time encaixar aos poucos.

A ponto de, em novembro, Maradona dar novas declarações públicas. “Eu estava errado sobre Sarri. Peço desculpas”, reconheceu. O técnico não guardou mágoas. E, no último domingo (12), fez seu time vencer o Frosinone por 5 a 1, garantindo o simbólico título do primeiro turno do Campeonato Italiano. Hoje, é líder isolado da Serie A, desbancando potências como Juventus e Inter.

Para Sarri, aquela longínqua tarde de 1999 em que decidiu deixar para trás a vida de bancário para começar do zero no mundo do futebol não foi um divisor de águas. Foi algo natural. Explicou, certa vez, ao jornal Repubblica Sport: “Escolhi a única coisa do mundo que eu aceitaria fazer de graça”.

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